O diretor, Richard Linklater, teve uma das ideias mais ousadas da história do cinema, ao reunir por 12 anos o mesmo grupo de atores, para gravar e utilizar suas próprias experiências de vida para construir o enredo de um filme, que ganharia o nome de 'Boyhood'. Traduzível como "da infância à juventude", o filme segue a vida de Mason (Ellar Coltrane), desde os seus sete anos, até os 19, quando vai para a faculdade. Mason vive com sua mãe, Olivia (Patricia Arquette) e sua irmã, Samantha (Lorelei Linklater), além de possuir um difícil, mas verdadeiro relacionamento com seu pai (Ethan Hawke).
Não é fácil falar sobre Boyhood. Toda e qualquer análise tem
que ser deixada de lado quando não existe uma premissa, quando não existe um
objetivo, quando o filme é apenas um retrato da vida. E afinal, qual o objetivo
da vida? Essa é a grande questão levantada pelo personagem principal, Mason,
enquanto o vemos crescer dentro da tela e a cada troca de cena não precisamos
de explicações, sabemos o que acontece em cada época da vida, e não precisamos
de que alguém nos narre isso. Mason é um jovem deveras melancólico para a sua
idade, não tem sonhos, não tem vontades, não tem ambições, no entanto ele não
entra em crise com si mesmo, ou briga para encontrar um objetivo, ele apenas
vive, sem precisar nos contar nada, e isso é o que torna sua história tão
interessante. Em Boyhood não assistimos uma história que no subconsciente
sabemos que não é verdade, assistimos a vida, pura e crua como ela é e é isso
que torna este filme algo inacreditável.
Pode se esperar o filme inteiro por aquela cena tocante em
que mude a trama de cabeça para baixo, mas não, ela não vem, pois tudo foi
construído de forma que não precisa-se que ela venha. Mason repete a primeira
série e apesar de sempre fazer seu dever nunca o entrega, não seria isso uma
lição? O sistema escolar no mundo inteiro é altamente questionável, para que
lições? Em que elas nos melhorarão na vida? E tudo continua acontecendo de
forma que se explique sozinho. Uma conversa sobre sexo com sua filha
adolescente, em que seu filho inventa uma vontade de ir ao banheiro apenas para
não ouvir e o pai percebe, e não existem palavras para dizer como esta cena é
incrível, e não precisa de enfoque exagerado em rostos, em um enfoque nas
falas, em uma tocante música de fundo, só o que se precisa são atores dando seu
máximo, são atores vivendo.
Também pode se dizer que o Oscar seria pouco para Boyhood. É
impossível imaginar alguma performance mais parecida com a realidade do que a
própria representação da vida. Todos os atores merecem prêmios, afinal eles nos
deram uma parte de sua vida, se doaram para isso. Até os amigos de Mason dando
cerveja para ele, até os maridos bêbados de sua mãe, ou até para o pedreiro que
se tornou empreendedor, ninguém imaginava que ele apareceria de novo, ninguém
esperava, por que ninguém espera que a pessoa com quem se conversa uma vez na
vida venha a aparecer de novo, e se isso não é uma lição de destino.
Edição de som? Trilha sonora? Ouve-se Coldplay, ouve-se
Britney Spears, se ouve música que toca nos fones dos jovens, e não a falida
música rock dos dias de hoje que filmes de adolescente insistem em dizer que é
popular. Também não precisa-se de barulhos atormentadores em cenas de suspense,
ou de fundos muito amorosos nas cenas cruas e verdadeiras de amor que nos são
entregadas, tudo é construído da forma mais natural possível.
Edição de imagem? Direção? Acabamos de ver o crescimento de
duas crianças em frente as câmeras, acompanhamos o crescimento de duas pessoas
e não foi como em o “Show de Truman”, onde o mesmo não sabia que estava sendo
filmado, foi como na vida, como quando se tem um filho, primo, irmão, vizinho,
próximo o suficiente para vê-lo com o passar do tempo e só notar que ele
cresceu quando o mesmo está se formando e deixando sua casa. Os dois atores
concordaram com isso, eles dividiram os momentos mais importantes de suas vidas
conosco, e não só as crianças, Ethan Hawke, por exemplo, é o pai de muitos,
inclusive deste que vos fala.
E quanto ao roteiro? A vida não precisa de roteiro, e
Boyhood é o mais próximo da vida que veremos em uma tela de cinema até que
façam como no dito “Show de Truman”, e mesmo que fizessem, não seria tão
incrível e maravilhoso de se assistir, pois ao final de tudo você sabe que
todos ali concordaram em dividir a vida deles conosco. Boyhood é, sem medir
palavras, um marco para o cinema, e sim, a palavra obra prima deve ser evitada,
pois uma obra prima do cinema é algo que preenche todas as expectativas e as
excede dentro de seu determinado gênero, enquanto Boyhood não se preocupa em
cumprir expectativas, se preocupa apenas em existir, em nos mostrar o maior
retrato da vida na história do cinema.
10/10